2009-11-26

Livro: Noturno

A primeira vez que ouvi falar deste livro, Noturno, de Chuck Hogan e Guillermo del Toro (cineasta, diretor de filmes como O Labirinto do Fauno e Hellboy), acho que foi num OmeleTV, o videocast do Omelete. Depois, já na livraria, peguei o livro e comecei a dar uma lida. Logo as primeiras páginas te fisgam, tanto pelo estilo narrativo quanto pelo mistério que envolve toda a história do livro.

livro noturno guillermo del toro chuck hogan
Acabei não comprando o livro, porque ganhei uma promoção no Não, nada não, o blog do Gerundino, e acabei por ganhar o livro.

Bem, Noturno é um livro de vampiros, primeiro de uma planejada trilogia. E diga-se de passagem, o livro é sensacional. É um livro adulto, que transpira a violência e o terror que deveria ser inerente a qualquer tema vampiresco (afinal, vampiros são MORTOS! Mortos-vivos, mas ainda assim, mortos!). Além disso, a narrativa tem uma excelente dose de mistério e suspense.

Esqueçam os vampiros emos que têm feito a cabeça das (por pouco tempo) donzelinhas. Também esqueçam os vampiros charmosos, estilo Drácula de Bram Stoker. Aqui, os vampiros são muito mais... animais. Selvagens. Em certos aspectos, eles lembram muito zumbis. Em outros aspectos, especialmente físicos, eles lembram um pouco os vampiros dos filmes do Blade (talvez, influência do del Toro ter dirigido o segundo?).

Outro diferencial dos vampiros de Noturno é que eles não são totalmente "científicos" ou "míticos", ou seja, não são simples "criaturas da noite", nem somente "monstros genéticos". Mas eles são ambos. Uma das coisas que eu acho que o livro faz muito bem, é combinar muito bem nos seus vampiros, os aspectos "científicos" (afinal, queiram ou não, os vampiros ainda são seres físicos) e os aspectos "míticos" (o medo que eles causam, por exemplo).

guillermo del toro vampiro (Guillermo del Toro com um vampiro de Blade 2, que ele dirigiu.)

De qualquer maneira, a história começa quando um avião Boing pousa no aeroporto JFK em Nova York, e logo depois literalmente "apaga", cortando comunicações e ficando parado na pista e sem nenhum sinal de vida. O Centro de Controle de Doenças é acionado, por medo de um ataque terrorista. O Dr. Eph Goodweather é chamado, e juntamente com outros personagens, acaba descobrindo que quase todos os passageiros estão mortos. Mas... estariam eles realmente mortos?

Enquanto isso, o velho Abraham Setrakian, residente de Nova York e um sobrevivente do Holocausto, sente que chegou a hora de se reencontrar com um velho inimigo. E este velho senhor parece conhecer muito bem todo o terror que está prestes a se abater sobre a cidade.

Estes dois são os "protagonistas" da história, e seus caminhos certamente se cruzarão. Deixei protagonistas entre aspas, pois o livro vai acompanhando vários personagens ao mesmo tempo, alguns tão importantes para a história, quanto esses dois que eu citei.

Como uma das grandes graças desse tipo de livro (na minha opinião) é justamente acompanhar a história e ir descobrindo-a aos poucos, paro por aqui. Basta saber que uma "pandemia vampírica", como diz a orelha do livro, está para se abater, se nada for feito. E que isso pode significar o fim dos seres humanos no planeta.

vampiro noturno
Mas, se você quiser conhecer um pouco como é o livro, separei três trechos (sem muito spoiler). Grifos por minha conta:

O começo de tudo, quando um avião simplesmente "apaga" após ter pousado:

Calvin Buss trocara seu par de fones e estava dando as ordens estabelecidas no manual da Agência Federal de Aviação para incursões na zona de taxiamento. Todas as chegadas e partidas haviam sido suspensas no espaço aéreo de oito quilômetros em torno do aeroporto. Isso significava que o volume de atrasos cresceria velozmente. Calvin suspendeu os intervalos e mandou os controladores de plantão tentarem contatar o voo 753 em todas as frequências disponíveis.

O Bispo jamais vira algo tão próximo ao caos na torre do aeroporto JFK. Os agentes da Autoridade Portuária, uns caras de terno que murmuravam em aparelhos da Nextel, haviam se agrupado atrás dele. Isso nunca era um bom sinal. É engraçado como as pessoas se reúnem naturalmente quando defrontadas com algo inexplicável. Ele tentou fazer contato outra vez, sem resultado.

Um dos caras de terno perguntou:

— Sinal de sequestro?

— Não — respondeu o Bispo. — Nada.

— Nenhum alerta de incêndio?

— É claro que não.

— Não soou o alarme da porta da cabine de comando? — indagou outro.
O Bispo viu que eles haviam entrado na fase das "perguntas idiotas" da investigação. Apelou para a paciência e a sensatez que garantiam seu sucesso como controlador de tráfego aéreo.

— O Regis 7-5-3 chegou bem e fez um pouso suave. O piloto confirmou o portão de desembarque designado e saiu da pista. Eu fechei o radar e fiz a transição para o Equipamento de Detecção em Superfície dos Aeroportos.
Pondo a mão sobre o microfone, Calvin disse:

— Talvez o piloto tenha precisado desligar tudo?

— Talvez — disse o Bispo. — Ou talvez o avião tenha se desligado.

— Então por que eles não abriram uma porta? — disse um dos caras de terno.
A mente do Bispo já estava remoendo isso. Via de regra, os passageiros nunca ficam sentados um minuto a mais do que precisam. Na semana anterior, um jato da Blue partira da Flórida e quase fora palco de um motim por causa de pão dormido. No caso presente, as pessoas já estavam sentadas sem se mexer havia... talvez quinze minutos. Totalmente no escuro.

— Deve estar começando a esquentar lá dentro. Se a eletricidade foi cortada, não há ar circulando no interior. Não há ventilação.

— Então que diabo eles estão esperando? — disse outro cara de terno.

O Bispo sentiu que o nível de ansiedade de todos ali estava aumentando. Era aquele buraco na barriga quando a gente percebe que vai acontecer algo muito ruim.

— Talvez eles não possam se mexer? — murmurou ele sem pensar.

— Foram feitos reféns? É disso que você está falando? — perguntou o cara de terno.

O Bispo balançou a cabeça em silêncio... mas não era nisso que ele estava pensando. Por alguma razão, só conseguia pensar em... almas.

the strain vampires
Dois de nossos protagonistas, prestes a entrarem dentro do avião onde tudo começa:

Eph e Nora se enfiaram na van do Centro de Controle de Doenças, fechando as portas traseiras duplas para fugir da ansiedade reinante na pista ali atrás.

Pegaram o equipamento de material perigoso nível A num cabide. Eph ficou só de cueca e camiseta; Nora, de sutiã esportivo preto e calcinha lavanda. Cada um precisava abrir espaço para os cotovelos e joelhos do outro dentro da viatura apertada. A cabeleira de Nora era espessa e escura, inusitadamente longa para uma epidemiologista de campo, e ela fez um rabo de cavalo com um elástico apertado. Seus braços trabalhavam depressa e com precisão. Seu corpo tinha curvas graciosas e sua pele era calorosamente amorenada.

Depois que a separação de Kelly se tornara permanente e ela iniciara a ação de divórcio, Eph e Nora haviam tido um namorico. Fora somente uma noite, seguida de uma manhã constrangida. Esse desconforto se arrastara por meses a fio, até poucas semanas antes, quando eles haviam tido um segundo namorico. Embora até mesmo mais intensa do que a primeira, e calculada para superar as armadilhas que haviam enredado os dois, a noite causara outra extensa e constrangedora détente.

Sob certo aspecto, ele e Nora trabalhavam com demasiada intimidade: se tivessem algo semelhante a empregos normais, com um local de trabalho tradicional, o resultado poderia ter sido diferente, mais fácil e relaxado. O que eles tinham, porém, era um "amor de trincheira"; como cada um deles se entregava ardorosamente ao projeto Canário, pouco restava para dar ao outro, ou ao resto do mundo. Era uma parceria tão voraz, que ninguém perguntava: "Como foi o seu dia?", nas horas livres, principalmente porque não havia horas livres.

Tal como ali. Eles estavam praticamente nus, um diante do outro, da maneira menos sexual possível. Porque vestir um biotraje é a antítese da sensualidade. É o reverso da sedução, é uma retirada para a profilaxia, a esterilidade.

A primeira camada era um macacão branco Nomex, com as iniciais do Centro de Controle de Doenças gravadas nas costas. Um zíper ia do joelho ao queixo; velcro selava a gola e os punhos; coturnos pretos eram amarrados na canela.

A segunda camada era um descartável traje branco, feito de papel Tyvek. Em seguida vinha a cobertura para as botas, e luvas de proteção química Silver Shield sobre barreiras de náilon, presas com fita adesiva nos punhos e tornozelos. Depois havia o equipamento de respiração autônomo: um arreio para o tanque leve de titânio com pressão regulável, uma máscara respiratória que cobria todo o rosto e um dispositivo pessoal de alerta com alarme de bombeiro.

Os dois hesitaram antes de pôr a máscara no rosto. Nora deu um meio sorriso, colocou a mão em concha sob o queixo de Eph e deu um beijo nele.

— Você está legal?

— Estou.

— Não parece, nem um pouco. Como está o Zack?

— Emburrado. Puto. Como devia estar.

— Não é culpa sua.

— E daí? O que interessa é que o fim de semana com o meu filho se foi, e isso eu nunca vou recuperar. — Eph aprontou a máscara. — Sabe, houve uma fase na minha vida em que precisei escolher entre a família ou o trabalho. Achei que tinha escolhido a família. Aparentemente, não foi suficiente.

Há momentos assim, que surgem quando querem, sem serem convidados, geralmente nas horas mais inconvenientes, tais como numa crise: você olha para uma pessoa e percebe que vai se magoar caso fique sem ela. Eph viu que estava sendo injusto com Nora, insistindo em se apegar a Kelly... e nem era a Kelly, mas ao passado, a um casamento morto, a tudo que acontecera outrora, só por causa de Zack. Nora gostava de Zack. E seu filho gostava de Nora, isso era óbvio.

Naquele exato momento, porém, não era hora de pensar nisso. Eph colocou o respirador e conferiu o tanque. A camada externa consistia em um traje "espacial" amarelo-canário de encapsulamento total, composto por um capuz selado, uma viseira de 210 graus e luvas. Esse era o verdadeiro traje de contenção nível A, o "traje de contato", com doze camadas de tecido que, uma vez selado, isolava totalmente o portador da atmosfera exterior.

Nora conferiu a vedação de Eph, e ele fez o mesmo com ela. Os investigadores de bioameaças trabalham num sistema de parceria, muito semelhante ao de mergulhadores. Os trajes ficavam um pouco inchados devido à circulação do ar. Como isolar agentes patogênicos exigia conter o suor e o calor do corpo, dentro dos trajes a temperatura podia chegar a ficar cinco graus Celsius mais alta do que no ambiente externo.

— Tudo parece certo — disse Eph, usando os microfones ativados pela voz dentro da máscara.

Nora balançou a cabeça, captando o olhar dele através do visor da máscara. O instante se prolongou um pouco demais, como se ela fosse dizer outra coisa, mas tivesse mudado de idéia.

— Pronto? — perguntou ela. Eph balançou a cabeça.

— Vamos em frente.

vampiros (Essa vampira não tem nada a ver com o livro, mas eu achei muito legal o design dela.)

O eclipse prenunciando a escuridão:

Kelly Goodweather não conseguia acreditar na rapidez com que o dia escurecera. Ela estava parada, como seus vizinhos da rua Kelton, no que normalmente, àquela hora do dia, seria o lado ensolarado da rua. Olhava para o céu escurecido lá no alto através de óculos com armação de papelão oferecidos gratuitamente com garrafas de dois litros da soda Diet Eclipse. Ela era uma mulher instruída. Em nível intelectual, sabia o que estava acontecendo. Ainda assim, sentiu um acesso de pânico quase estonteante. Um impulso de fugir e se esconder. Aquele alinhamento de corpos celestiais e a passagem na sombra da lua mexiam com algo profundo dentro dela. Tocavam o animal com medo da noite que existia ali.

Outros certamente sentiam o mesmo. A rua ficou silenciosa no momento do eclipse total, aquela luz estranha em que todos estavam imersos. E aquelas sombras serpenteantes que se contorciam pelo gramado ou pelas paredes das casas, fugindo da visão feito espíritos esvoaçantes. Era como se um vento frio soprasse pela rua sem despentear cabelo algum, apenas congelando todos por dentro.

Era aquilo que se diz quando a gente tem um cala-frio: Alguém acabou de passar sobre a sua sepultura. A tal "ocultação" parecia isso. Alguém ou algo passando sobre a sepultura de todos ao mesmo tempo. A lua morta cruzando sobre a terra viva.

E então, lá em cima surgiu a coroa solar. Um antissol, negro e sem rosto, brilhando loucamente em torno do nada da lua, olhando para a terra aqui embaixo com cabelos brancos brilhantes e diáfanos. Um retrato da morte.

Bonnie e Donna, que alugavam a casa vizinha à de Kelly, estavam de pé abraçadas. Bonnie tinha a mão no bolso traseiro das calças folgadas de Donna.

— Não é incrível? — exclamou ela, sorrindo por cima do ombro. Kelly não conseguiu responder. Será que elas não percebiam? Para ela, aquilo não era uma mera curiosidade, uma distração à tarde. Como alguém poderia não ver que era uma espécie de presságio? Para o inferno com explicações astronômicas e raciocínios intelectuais: como aquilo poderia não ter um significado? Talvez não tivesse um significado inerente por si mesmo. Era uma simples convergência de órbitas. Mas como um ser sensível poderia não tirar dali algum significado, fosse positivo, negativo, religioso, psíquico ou outro qualquer? Compreendermos como algo funciona não significa, necessariamente, que compreendemos aquilo...

Sozinha diante da casa, Kelly ouviu alguém exclamar que já era seguro tirar os óculos.

— Você não pode perder isso!

Mas ela não tiraria os óculos. Pouco importava o que a televisão falasse sobre segurança durante a "totalidade". A televisão também falava que ela não envelheceria se comprasse aqueles cremes e pílulas caros.

Exclamações se sucediam pela rua inteira. Aquilo virou um acontecimento realmente comunitário, conforme as pessoas se sentiam mais à vontade com a singularidade, abraçando o momento. Exceto Kelly. O que há de errado comigo?, pensou ela.

Uma parte se devia simplesmente a ter visto Eph na tevê. Ele não dissera muita coisa na coletiva de imprensa, mas Kelly percebera, pelo olhar e modo de falar dele, que algo estava errado. Muito errado. Algo além das rotineiras declarações tranquilizadoras do governador e do prefeito. Algo além das súbitas e inexplicáveis mortes de 206 passageiros transatlânticos.

Um vírus? Um ataque terrorista? Um suicídio em massa?

E agora o eclipse.

Kelly queria que Zack e Matt estivessem em casa. Queria ter os dois ali com ela, já. Queria que a tal ocultação solar terminasse, e que ela nunca mais tivesse aquela sensação. Pelo filtro das lentes, olhou para a lua assassina em todo o seu triunfo sombrio, com medo de nunca mais ver o sol.

Se quiser saber mais, tem o site oficial da trilogia, em inglês: The Strain Trilogy.

Um comentário:

CintiaYamane disse...

fiquei com vontade de ver o filme...
nao imaginava o del toro assim... achei que ele fosse mais 'hispanico', sei la.. XD

o filme Orfanato tb é dele ne?? eu gostei